Canções Repetidas

foi em uma queda como essa
de um medo infantil
perdi me do brio
abri me ao breu

não rodei por um tempo
mais que isso
não amei por um tempo
as canções repetidas
não mais repetidas

agora é só a busca
brusca
consegui
e não sei o que

ouço o oco
roeu o moço
a moça
o osso
o sonho
um som
osanha

e lá dentro cabe
um tanto de
luz
um outro de
paz
mas como
faz
pra deixar o que
fiz

Só Alegoria

que tolice
ser tão orgulhoso de minhas cicatrizes
alguns amores beiraram as obsessões

alguns, distrações
encantadoras fantasias
transformam em maravilhas
um carnaval de um quarto
alforria em um morro
onde não falamos a língua

ali eu decidi destruir tudo
foi minha ruína
meus ruídos
entre seus braços
e conselhos
o choro
o treme terra
o inevitável espelho

um estreito corredor
que atravessa uma nação

se pudesse faria um desfile
na frente da sua casa
com cartas não mandadas
e meus fracassos todos
devidamente enviados
ávidos e óbvios

Umbigo

a dor no estômago
não é dos dias de fome
mas um prego na parede
vazio

quantos desses
nos últimos tempos
preguei
sem que eles
me martelassem
de volta

pego me pensando
prego-me

e ele parece
as pessoas
que vejo daqui
miúdas
duras

como pego me

se tirar
vai que o buraco
continua

e se o que tem
lá dentro escapa?
e não sobrar nada

vai ficar exposto

a medida que olho
ele cresce
numa cena horrível

tenho cartazes,
ilustrações,
pra substituir o impossível

estico a tela
pra ver se encontro
mas não me enquadro

estou sem amor
sem sorte
sem apetite

Eu nunca vou tocar você

Uma vez você me fez duvidar que era um cara forte.
Que sorte a minha.

– Tudo bem. Você não conseguiu enxergar o melhor de mim, né?
E ela ficou. Com o som baixo tocando na cozinha e mais nada.

Encanamento.

A multidão da minha solidão
Fala mais alto.

Vaia
Dos dutos e canais
das minhas veias.

Pede bis
Pela praça, pelo preço.

Grita.
E gritos não se medem.

Do amor à devastação
Eu estou aqui. E vou estar aqui.
Brutal e irrestritamente.
Dentro.
Sozinho.

Com o fiasco
da busca do ponto de fusão
entre a minha paz e a minha loucura.

Já não caibo nos sapatos,
Mas preciso crescer mais um pouco
Até ficar do tamanho do meu caos.

Não há serenidade,
Não há desejo,
Eu só tenho estado.

E a fé é uma tormenta…

Esse rio não é o mesmo
E faço um esforço sobrehumano
Para me equilibrar
Em cima de uma ponte que ameaça despencar.

Depois de sobreviver a tantas enxurradas,
Redemoinhos diminutivos,
Chuvas aos murros, ventos murais
Trovoadas e tudo mais que você consiga imaginar,
Quem diria!
Eu morrendo afogado na poça nossa.

Fecha Dura.

Começou uma coleção de chaves perdidas. As primeiras foram um acaso, tiradas do meio-fio. Sem querer, sem desquerer, pra distrair, levar a vida. As seguintes estavam em um chaveiro, eram 4, com detalhes absurdos e elegantes como qualquer outro.

Eram necessárias, certo? Serviam para abrir, não é?

Uns dias andava de cabeça baixa, só para não perder nada. Eram mais de 10. As carregava em sua mochila, gostava do barulho, e as organizava por tamanho, cores, número de curvinhas.
De uma semana para a outra, não havia um momento em que não passasse vazio de chaves. Seu caminho, grama a grama, lhe pesava e sustentava. 41.

Estava cheio de buscas. Preso do lado de cá.

Quanto mais estranhas, melhor.

Tinha das antigas, bonitas, grandes, ornamentadas, sujas, de carro, brilhantes, roubava-as algumas vezes dos amigos. Amava o metal delas passando pelos dedos. Perdia de propósito as dos pais para depois encontrar.
Estava certo de que não havia mais nenhuma no seu bairro. Não havia perdão. Procurou nos ônibus, olhou embaixo dos bancos. Só queria caminhar mais. Ia cada vez mais longe, até perceber que não reconhecia a região. Não reconhecia maçanetas enquanto os molhos o divertiam e irritavam e deixavam louco. Elas haviam passado as 200.

Quanto mais, melhor. Talvez houvesse um encaixe.

O chaveiro o estranhou quando começou a aparecer atrás das sobras, das com defeito. Olhou o garoto torto, mas não havia nada a ser visto. Algo não tinha. Parecia um cão calado. Que não fugia da chuva. Alimentava-se do amargo do estômago faziam meses. Não saberia contar, havia números mais importantes que não poderia perder. Tinha varado noites sem fim tentando não perder a cabeça, mas tentando deixar as chaves no lugar. Ele estava cercado por todos os lados.

Havia fechado o tempo. Havia fechado o sinal. Havia fechado a janela. Ela havia fechado a cara. Ele havia fechado os olhos. Os dedos. A rua. Havia fechado-o a ferida. A conta. O expediente.
Ele estava trancado.

Sem Nome

O empurrão vira uma esganada.
É quem somos.
O entregador de pizzas cospe no chão.
Somos.
Enquanto afogamos as palavras ignoradas
Dentro de nós.
O mendigo lê jornal, com as pernas cruzadas
E postura.

Cenas reais de um duro dia comum.
A verdade passa por nós.
A verdade passa por nós.
A verdade nos passa pra trás.

Todos sentimos receio quando passamos
Na roleta,
Aquelas grandes parecem um instrumento
De tortura.

Nó nos trilhos,
Nós nos trilhos.
Roendo cabos, unhas, cordas.
Roendo a cultura do medo.

Vandalizados. Quem.

Não muito diferente dos cães maltratados das ruas. É.
Precisamos comer e não morrer mais uma vez.
Procure no lixo o dia mais difícil da sua vida
E salve-se.

A madrugada bate forte e frio e escuro e úmido e ausente e sufocante e louca e urge.
Como os homens secam?

Eu vou descobrir.

Panorama

Estive certo e não sinto saudade.
A razão pode ser um degrau alto
Demais.
Às vezes até um muro –
Espelho de nossa dureza.

Desse lado, eu espero
Com a intuição fraca
E a saúde magra.
Hiperrealista.

O bom pensamento não usa lupa.