Para todo Concreto. Pára todo Concreto.

Dedicada a cada ser humano da cidade que cultiva
a liberdade no concreto da cidade

Porque ninguém me convence que há mais poesia em um intelectual do que em um rapper.
Não há mais valor em um centro cultural do que em uma praça.
A arte não tem hora marcada, local especial para acontecer. Ela acontece onde a gente quiser.
Por isso dou valor para aqueles que transformam, fazem acontecer com a sua liberdade. Descobrem e revelam a cidade. Assumem o risco. Da liberdade de expressão.

Para todo concreto, há uma vontade de concreto. Maciça, uma novidade.

O Brasil acontece todo dia na nossa frente, toda aquela cultura linda que falam por aí. Mas não está no jornal, na TV, na casa de show, não está escondido e nem esperando o data do feriado… Ele está naquele passo que a gente dá, quando quer mudar as coisas.
A vida acontece nas nossas beiradas, mas exigem o nosso âmago para ser vivida.
Ela é o fundamento, essência, nossa causa e origem. Mas mais do que isso, a arte, o nosso país e a vida, são nosso comportamento.

Eu Não Sou um Cigarro.

Eu não sou um cigarro. Mas em brasa minha cabeça ferve, alguém precisa de algo – não de mim – e me consome. Tudo bem, toda história tem dois lados. O vazio dos outros, eu encho com fumaça: cumpro requisições, finjo que me importo, falo coisas passageiras e triviais, que embaçam a vista da realidade enquanto se distraem entre tragos. No trabalho, na rua, no trânsito, nas casas noturnas, o meu vazio é fogo no rosto, arde alma toda, descartável. Depois que tiverem acabado comigo, talvez você até me encontre jogado no vão do trem. Depois que tiverem acabado comigo hahaha. Querem me sugar como se eu pudesse fazê-los respirar de novo. Tenha dó: de mim, e do que eu farei com eles.

Eu não quero ser um cigarro, pra fazer homens quebrarem suas promessas. Mas eu faço. Não por maldade, sabe, é a vida: acontece nas pausas da rotina. É uma droga, porque todo prazer tem que ser remediado. Volta, precisa trabalhar, precisa transar, precisa ir, precisa chegar cedo em casa. Essa é a droga, o vício comum.

O Conto da Formiga e o Cigarro hahaha.

Sou uma pessoa boa, com milhares de toxinas dormindo tranqüilas no sangue, inofensivas. Quem colocou esse fogo não fui eu. Me queimar? Eu decidi fazer diferente, deixar de castigo, a sociedade se comportou mal e o sorriso amarelo é seu. É o meu jeito de lutar fogo com fogo.

Meu pulmão, intacto, lembra duas folhas confortáveis. Lá eu vou parar e cantar todo o verão como cigarra.

Deixo aqui a crise de minha abstinência.

O Anônimo.

Também na coluna Ser Urbano.

A gente descobre um dia que não é essencial para o mundo. Dava pra sair pela porta dos fundos tranqüilo e ninguém veria. No meio da semana poderíamos fazer um bate-volta nas praias de outras vidas e nada pararia. As padarias abrindo para começar o dia, os feirantes ciganos bem antes, a polícia em seu passeio, os equilibristas de ônibus – tudo caminhando normalmente. É triste por um lado, não saber se você é a pessoa preferida de alguém. Tá, e sua mãe não conta (ainda mais se você tiver irmãos). Pense, não dá pra ter muita certeza. Sem medo, o que você sente não é solidão, é uma ambição estranha. De querer o que você não tem: um mundo só pra você, você, rei, dono, simpático, adorado, feliz. Não podemos levar isso tudo tão a sério. Um cachorro atravessou a rua na faixa de pedestres e quando chegou na calçada foi atropelado por um carro que não queria esperar o farol. Eu vi isso, vida surreal. Na calçada. Puta cachorro inteligente. Puta motorista burro. A verdade é que a juventude nunca chega, ela só passa. Então, é esse o momento do seu gesto, faça uma condecoração, faça disso sua gentileza. Um ato seu. Esse planeta é muito grande, primeiro a gente tem que ser donos de nós mesmos. A comodidade é como uma garoa fina, que bate na janela. Quando você menos percebe, não se vê mais nada lá fora. Dizem que o mundo é uma escola, mas ninguém vai passar pra você a matéria da aula passada. É hora de cabular. Simples assim. Anônimos revolucionam, tem o muro mais baixo pra um quintal vizinho. Uma oportunidade para ser feliz, escapando de fininho. Quando você sente que está pra ser abandonado pelo mundo, é hora de sair sem se preocupar em fechar a porta. Hora de passar trote, criançada. A vida não tem bina.

Em linha

Também na coluna Ser Urbano.

O homem quer voar, vá. Pague. Mas antes pegue a fila. Tem que ter paciência se você quer se mudar. Se você quer crescer então? Fila indiana, a criançada tentando ficar em ordem crescente, mão no ombro, alinhado na frente da sala. E de quinta, levanta, postura, é hora do hino nacional: “De um povo eroicumbrado retumbante”. Pequenos neologistas, distraídos esperam a hora de ir pra fila do recreio. Carta de motorista, documentos no Poupatempo, pão quentinho, almoço do trampo, conta no banco. No trânsito então, os carros lindamente enfileirados, como que expostos à quem possa notar das calçadas. Um desfile a quem possa notar dos carros. Um na frente do outro: gordos, magras, velhos, jovens, executivas, médios, esquisitos, na mesma porra de passarela da Avenida Paulista. O homem quer voar, mas não consegue sair do seu lugar na fila pra voltar pra casa. Próximo! Vá pegar o ingresso pro cinema… Próximo! Não é mais você. Você é só mais um ser na frente de alguém.

Ah, esse mundo de nucas…

Pra satisfazer? Produtos alinhados nas pratileiras, prostitutas na mesma rua, os quadros da curadoria, pássaros para observar no fio elétrico. Essas linhas que escrevo também, uma atrás da outra. Faça o check-in, temos um procedimento a seguir, siga essa pessoa na sua frente. Estamos sempre seguindo esse ser na nossa frente. E onde é que esse maluco vai?

Não que eu queira caos, esse é um absurdo que ninguém quer. Mas será que os homens no lugar da ordem, não deviam buscar a paz?

Devíamos ser pilotos e nada mais. No controle daquela massa imensa de metal, de frente praquele leve infinito azul, branco e prata. Em linha só com o horizonte. Acima da cidade e mais nada.

Olho Roxo

Também na coluna Ser Urbano

No meio do trânsito hoje eu não conseguia ouvir a música direito. Até gostava, era daquelas que a gente curte improvisar a letra, mas não tem no mp3, não sabe o nome nem nada. Eu estava longe, minha cabeça de vento no ar condicionado, guiando a vida no piloto automático. Esquerda, primeira marcha, terceiro farol à direita, pega a rotatória…

A solidão vestiu aquele maiô ridículo, fez cara de mal de lá do canto do ringue. Era grande e queria me quebrar na porrada, no mata-leão, de qualquer jeito. Tinha um corte de barba que ficava engraçado junto com a careta.

Me escapa uma risada, não tem graça, mas ela sai não sei porquê. Eu tinha ligado o limpador de pára-brisas em vez da seta, buzinaram forte na minha orelha. Nem me importo… Nem consigo.

A solidão nunca foi de me botar medo, mas ela chega mais rápido do que eu espero, pula e me chuta. Com os dois pés no peito.
Lutando eu de um lado, ninguém do outro. Até seria engraçado se não tivesse arrancado todo meu ar do nada. Toca o gongo. Ninguém ouve. Sou eu que estou de repente entregue à lona, estirado no meio do ringue. Eu, que nunca arrumei encrenca, nunca neguei uma peleja. Sem equilíbrio, perda temporal de consciência e sem contato algum.

Embaça a vista durante todo o percurso. Não chove fora do carro, de lá também, ninguém vê a surra que eu tomei.

Nem com dois copos de café…
O nocaute me acompanha mesmo depois que eu chego no trabalho.

Sem dívida, sem dúvida.

Prometer é uma tolice, cumprir é coisa séria.
Não assumo muitos compromissos pra poder passear por aí, como os meninos que eu vejo na praça enquanto espero o busão. Correm, jogam capoeira e ficam esparramados na grama, sonham no chão. Que inveja que eu tenho de quem sonha no chão…
Moro no subúrbio, trabalho no centro, vejo o melhor e pior dos dois lados.
Nem aqui nem ali, os políticos e santos têm honrado suas promessas. E não ligam, contanto que continuem com seus carros e nuvens conversíveis. Aqui e ali, eu me sinto tão confortável algumas vezes, um estrangeiro tantas outras. É estranho…

O meu problema nem é tão raro: sou um homem de palavras. Me apego a elas. Não é dever nem nada, sou só eu exercendo o meu direito – faço porque gosto e porque posso. Mania de arranha-céu, destino de avenida, esse prazerzinho em transformar a rotina em uma programação de cinema. Cada horário uma viagem diferente, com o gosto familiar de pipoca. Felicidade não conta com promessas. Ela é presente. Felicidade não é nenhum acordo, nem uma luta, ela simplesmente existe. É quase um talento: você só sabe fazer. Vejo o mundo um pouco mais otimista, e tiro o tênis quando chego em casa.
Coisas boas não se cumprem, se aproveitam. Se acham, não se procuram. Não é dívida. Não é nenhuma promessa.

Vou postar às quintas-feiras no Coletivo Marte e espero fazer o meu melhor. Estarei aqui na semana que vem e na outra e na próxima, não porque prometo, mas porque vai ser simplesmente um prazer.

Comecei a postar meus textos também em uma coluna semana no Coletivo Marte, uma união de arte e cultura no ABC Paulista, confira lá http://coletivomarte.wordpress.com Lá os posts ficam um pouquinho diferentes daqui, geralmente com fotos e tal.